segunda-feira, janeiro 30, 2006

paleta

a minha cor é a Liberdade.
exala em cada pedaço de segundo a sua vida
para lá da paleta que as nossas retinas conseguem conter.

a minha cor sou eu,
sempre que não me consome a palidez da dor,
sempre que não me renego a força colorida do sorriso
ausente só para quem não respira o que é vivo. em carne.

de costas voltadas para razões que possuam o gesto
ou vontades que controlem o momento,
ouso tornar-me palavras e soltar a rebelião!

por onde quer que avance a revolução,
deposita um singelo passo na minha morada!

faz-me mergulhar no seio cristalino da liberdade,
tão férrea, tão eterna, que nunca a leva o vento.

sexta-feira, janeiro 27, 2006

eco

enquanto permaneço por lá
num arrastar de asas,
eis que me vejo para lá do caminho.
vivo as palavras na morada que as escolheu.

canto-me
em baladas que só cães entoem,
num uníssono crescente com o bafo alado dos espectros.
trazem novas dos confins da cegueira.
encanto-me
em bailados destinados às pombas.
num festim devoram as pedras
que constroem o lar das minhas orações.
perco-me
em palavras, moléculas do sussurro do vento.
sinto-o quente.
exala o bafo procedente dos idos do inferno.

eis o nosso momento.
eis o nosso pedestal.
eis o que somos. humanos.
votos pouco contidos na emoção.
amantes do vazio firme
depois do oráculo cumprido.

eis os herdeiros
do magro papel principal.
parteiro de uma figuração calada.

quarta-feira, janeiro 25, 2006

marina

Já não caminho sempre envolto no nevoeiro
que anuncia as quebras de direcção.

reneguei as estradas que se ergueram
bem para lá da minha escolha.


ultrapassei a fronteira por trilhos
que me embalam num mergulho no teu mundo.
nosso ninho,
que tão sedosamente tento merecer.

e os passos sucedem-se
para lá da ausência física do que vai na alma
e nos preenche o coração.

sei qual a minha rota.
estou a caminho de ti.
meu porto de abrigo.


segunda-feira, janeiro 23, 2006

augúrio


temi sempre o preciso momento

em que minguasse
a réstia de vida que depositaria no olhar.
retinas que nunca estão na nuca.

prerrogativa de cego.

augúrio de derrotado.
prenúncio do que não há-de vir.

nunca. nem que se vire para a lua,
distraída na companhia de estrelas,
demasiado atentas ao brilho
com que combatem o doce escuro.
noite no céu.

serei?

autor de uma teoria credível sobre o insucesso?


quarta-feira, janeiro 18, 2006

minhas águas

eis o que sou
perante o olhar.
vê o que quero ser
ao ritmo do juízo.
sereno
como águas calmas
minhas
onde me atrevo a desaguar.

por cada cálida gota
ondulante no seu caudal
seca uma lágrima.
mirra um medo desfeito
já não mortal.

para onde ir?!...
não sei se me levo,
mas o fluxo transporta um coração.

meu.
minha garrafa de naufrago.

segunda-feira, janeiro 16, 2006

a título póstumo

insano fico sempre que descubro que me perdi
quando menti
mesmo que abominando,
quando tive medo

mesmo sendo resoluto,
sempre que ousei arrogar
mesmo que desejando viver simplicidade,

que me ofereci laivos de vaidade

quando simplesmente buscava a estética,
que cai na cegueira da ignorância
ignorando tudo o que sei,
que matei o que sou
sendo o egoísmo carnificado.

quando as malhas do calculismo se sobrepuseram à minha vontade,
e tombei, sem balanço,

na loucura imperfeita
de quem vê desmoronar o que é.
amortalho-me na derrota,

essa filha predilecta da mentira!

sexta-feira, janeiro 13, 2006

demanda

busca-se um homem.

um traço, um risco
erguido pista

em território da humanidade!

sem fermento
ferido
da saliva do diabo!

sem orações.

quarta-feira, janeiro 11, 2006

culatra



por mais que introduza o balázio na antecâmara da minha morte,

por mais que retese os músculos do meu dedo
numa carícia firme ao gatilho,

por mais que me soe a excelsa sonata do disparo,

não triunfo sobre a vida.
delicia-se no banquete perfeito da dor.
meticulosamente trinchando a minha carne viva.


terça-feira, janeiro 10, 2006

luz


a minha lágrima
irrompe da luz que me ilumina
em cada fracção dos segundos

que cumpro no meu respirar.
a minha lágrima

atravessa-me num sulco
tão profundo como a dor que ostento
em cada soluço
do meu choro contínuo.
a minha lágrima

corre célere para o mar.
a minha lágrima

sorve a imensidão do oceano e,
sem descanso
busca o meu porto de abrigo.

tua marina.
a minha lágrima

é a minha liberdade.
exala em cada pedaço de segundo
a minha vida
para lá da paleta de cores

que as nossas retinas conseguem conter.
a minha lágrima

faz-me mergulhar
no seio cristalino da tua liberdade.
tão férrea, tão eterna,

que nunca a sopra o vento.
a minha lágrima és tu.
a minha lágrima

vai para onde tu caminhas.
sempre que me consome

a palidez da dor
sempre que não me renego

a força colorida do sorriso.


segunda-feira, janeiro 09, 2006

para lá do mar

sopram ventos na bonança. sopros de maresia
transportam o hálito das musas, suave como o gosto de morangos
que se afastam da minha boca,
rendida à acidez de um inglório salivar.

para lá do sargaço, sempre que este mergulha no areal,
numa definitiva caminhada para o descanso de quem fenece,
ergo o meu olhar sorvendo o horizonte.

contorno o hipnótico ondular para que não me embale. não o desejo. permaneço desperto,
esperando a longínqua sombra de um barco.

nele ouso pensar que virás. que em minhas praias coloques a alma
e as reclames. conquista tua, de sempre,
em águas calmas um oceano inteiro.
a minha gota de água.

domingo, janeiro 08, 2006

missiva

parti em busca. persigo-me por lá. onde te quedas.
para lá dos muros mudos do teu silêncio.

sussurram-me que o mundo vive no seio de quatro cantos
e eu procurei em tantos mais!
em todos e em nenhum almejei um sopro de ti.

procurei em cada palmo que calcorreei. grita o silêncio da tua ausência.
procurei em todas as flores, murcharam porque por cá ainda não estás.
procurei na cidade e só trouxe os ruídos que a mesma, insensível,
produz sem parar.
procurei nos campos e por mais vida que pulasse à minha volta,
em mim só pulsava o desespero de não te encontrar!

procurei num qualquer e em todo o tempo,
procurei agora, procurei sempre sem nunca.

corri desalmado num mundo,
em todas horas e em cada segundo.
por cá e por lá só se falava de ausência.
procurei adulta, procurei-te criança,
procurei nas histórias de encantar!
procurei no meu mundo e nem os sorrisos de quem me quer bem,
limpou a cegueira crescente das lágrimas!

irrompo feito plena praia.
todos os meus grãos de areia assumem uma ténue união
erguida por um grito.
pungente. nascido na saudade.

dizer-te adeus? como?
sendo tu o meu mar,
mesmo não sabendo por onde navegam as tuas águas.
os meus perdidos pedaços de quartzo

longe de uma costa que quis ser minha. ser eu. ou nada?...
uma maré que não muda,
conduz o vento para longe das palavras,
num pleito inalcançável que guia cada um dos meus roucos apelos ao colo do cansaço.
pleno.

por uma eternidade que se arroga o direito de reclamar o fim do brilho que traduz uma luz. única.
sabes?! esse lampejo traduz o que os meus olhos dizem!

dentro de mim vi-te sorrir.
do meu céu.

dentro de ti
pulsa, mesmo que trémula, minha estrela.

sexta-feira, janeiro 06, 2006

bem antes da matilha

bem antes da matilha, chega-te o meu uivo, lua altaneira!
abençoa-me enquanto te nutro o ego
com uma genuflexão perfeita.
diante do mundo, ergo-me feito teu altar
para gáudio de quem calcorreia o teu luar, enquanto peregrino.

sem longe nem distância, busco-me onde tu estás.
consome-me o desespero da ténue miragem
em que teu ser se transformou.
nas minhas cálidas retinas inicio o caminhar.

mesmo trémulo, conduzo meus passos para aí.

a quem vir por aí o sentimento façam-lhe saber que o desafio.
que venha. que traga os pedaços do tempo.
que ostente cada momento. sustento.
aventura concebida numa insana vontade
que a minha paixão fará parir!

Bem antes da matilha, chega-te a minha súplica, luz sem fim.

quinta-feira, janeiro 05, 2006

interrogação

um abismo.
imenso.

[partícula de alguém]

uma ferida.
aberta.

[pedaço de alguém]

uma dor.
perene

[alimento de alguém]

um amor.
intenso

possuído por ninguém.

quarta-feira, janeiro 04, 2006

rota

irrompeste da placenta materna
ostentando a cor dos trópicos.

leio o mapa do mundo.
inteiro nos traços da tua pele.

navegas-me como uma perfeita rosa cardeal.
saboreio, em oferenda,
o norte com que traças o futuro.

pleno de orientação
chamo-te bússola
chamo-me caminho.

terça-feira, janeiro 03, 2006

epitáfio

sei que vou morrer precisamente no dia em que menos jeito me dá!
sem mais
desejarei agarrar-me ao tempo.
todo. de cada recanto do universo.

dizem-me que a morte fará a sua visita vestida de negro.
aos olhos do meu gosto, invejarei a sua elegância,
desviando o meu último olhar da tradicional ceifeira
pronta para o definitivo uso.

arrogante símbolo do seu trabalho,
seria um bom logotipo,

majestosamente aplaudido pelo mercado.

segunda-feira, janeiro 02, 2006

fronteira

quando conversam, falam a mesma linguagem,
usam o mesmo tom.
entoam a mesma intensidade.


falam para lá das línguas do mundo, num momento sem tempo,
num local sem fronteira,
num espaço onde só cabe o namoro,

no momento de extase entre a brisa do vento e as folhas das árvores,
no deleite transmitido entre os bicos de pássaros em amores de Primavera,
no gozo emanado entre os dedos das mãos que saboreiam,
até a infinitésima parte do segundo ,
que antecede o toque que preside ao começo do seu entrelaçar,
do segredo revelado entre o sussurro das ondas e a areia.


em cada movimento um enamorado mar!

falo então comigo. tanto.


tornei-me um explorador em euforia
por ter descoberto o mais intenso palpitar.
batendo incessante.

o coração. meu.


domingo, janeiro 01, 2006

sopro

de traço arquitectónico
perfeito

A CONCHA

uma concavidade encerrando o mítico aconchego
profundamente…

exige, em demanda, o gesto de um feto.
recolhido no espaço, SEU!

emana da ordem que sossega
vive do tempo que não importa contar
padece da solidão que não suporta o riso da ventura
exclusiva de quem está.
só.

Com o céu, SEU!

em recolhimento
vivo o embrião gerado de costas
voltadas
para lá

A CONCHA

sofro o repúdio
ferido de outra arquitectura

IMPERFEITA!