sábado, dezembro 31, 2005

casulo

com uma leve pressão de dedos esmaguei a larva.

depois

contemplei-me no voo da borboleta.

sexta-feira, dezembro 30, 2005

fuga

passo ao largo da memória.

torno-me um ponto de escuta, ausente.
embrionário.

na longa espera do nascimento da razão, eis o parto da loucura!

eternamente passageira.

quinta-feira, dezembro 29, 2005

nas entranhas

amo
mais do que sangro
sangro
[ em catadupa ] mais do que dói

e dói!

dor
[carnívora]
em sangue

amor
[antropófago]nunca exangue

quarta-feira, dezembro 28, 2005

requiem

O que seria tocar mesmo num sopro trémulo o esgar moribundo da inspiração?

temor...

tumor
sem catarse, erguendo uma incontornável redenção,
triunfando ufana pela força da inanição!

para lá dos sentidos, nasce sem sossego a letal calmaria da morte.
anestesia.

tentadora!

terça-feira, dezembro 27, 2005

purgatório das almas

onde paras MÃE?!
ventre
amparo rezado nas horas difíceis, tormentas contínuas, carregadas.
trémulos ...passos a dar!

desfeito, o horizonte onde vagueiam forças reunidas,
estranhas
a pupilas e pálpebras desfeitas, inchadas.
sombra
vida
...descanso.

berço, embalo, mansidão. idade ida de afagos constantes.

lembrança MÃE?!

Bocados, carinhos, pétalas
...espinhos

levaste MÃE?!

fios de leite, dormente, ausente.

álcool algum corta cerce a dor crescente, dominante
em olhos paridos num cansaço rasgado que esconde,
protege
o ventre das lágrimas.

consentes MÃE?!

cansado do grande. do EU. doeu!
choro. imenso. imundo, sedento, nojento.
do mundo!

És MÃE?!
numa umbilical dança de feto
MINHA!

segunda-feira, dezembro 26, 2005

iceberg

meus ombros caídos, rendidos à avalanche.
rochas fendidas,
rasgadas num relâmpago coberto por gelo.

minhas células em metástases, pedregulhos esfarelados no vazio.
ausente o vale verdejante onde desaguar em amparo.
glaciar. em espera no corredor da morte
o degelo.

domingo, dezembro 25, 2005

crisálida

quando caio na dor de uma noite escura, soa tão forte
que mata o mar alto!

sussurraram pálidas ondas, exaustas e fenecidas do seu próprio veneno:
moribundo...

retorquiu a areia, sólida. grão a grão...
espaços sem mácula de vazio: nunca, nunca ninguém


escuro este poço tão profundo!

sábado, dezembro 24, 2005

frémito

vómitos!
grito, seiva ácida, ventre de terror,
tanto, tamanho, pleno.

gotas de suor.
contornos de face aguada.
oco palpitar de sulcos exangues, frémitos olhares langues.
...tolhidos.

Cerco mortal à seiva.
Odioso esgar.
Pura, escura raiva!

Porque não aconteceu
...morreu.

cânone do arrogar.
leis da glória de mutações.
ninhos trémulos, futuristas, herdeiros de um cálido ovular!

o HOMEM.
nunca qualquer cegueira
contínua, carregada de dardos malignos
...perdidos!

sexta-feira, dezembro 23, 2005

dia da criação

e ao dia da criação,
Aquele Deus
descansou.

nem o mais ténue vislumbre de energia galgou as fronteiras do seu querer, invadindo um simples pensamento carregado da vontade de executar.
prenhe da repulsa, repudiou todas as obras por criar.

num imensurável alívio, soltou

um rotundo não a qualquer Big Bang padroeiro da imensidão cósmica : lixo universal, conspurcando o nada.
um não redondo aos números, em cuja certeza morre
a sabedoria do desconhecido.
um profundo não às palavras, herdeiras bastardas de crias criadoras
de vontades por acontecer.
um não perfeito à perfeição. por existir, ostentará
esse eterno mortal defeito!

e ao dia da não criação,
Aquele Deus
mirrou.

ventre já vazio do vácuo acabado de soltar.

quinta-feira, dezembro 22, 2005

absinto

vedam às minhas veias a razão do absinto.

panaceia esmagadora de cada sopro
racional.

deixam-me os restos: um sangue inócuo
[normal]
olho-me sóbrio
[tristemente sóbrio]

ignorado
[comum]
mortal!

quarta-feira, dezembro 21, 2005

Game Over


sempre que o jogo acaba,
nem que longe da derrota,
o chamamento da dor seduz
lentamente forçando
a que rode a cabeça
e a coloque por cima do ombro,
feito base de uma guilhotina.

ofereço-a em sacrifício
ao cantico da máquina
que o mergulha no vício da moeda seguinte.

mesmo mortal eis o canto da sereia.

vive enroscado
nas notas inconfundíveis
do tilintar
das quarenta moedas que compram a vida.

Las Vegas

meus olhos, o monitor. vítreos.
esgotados, assumem a falência da não dor. já não. não dói. não passa e não corre nas veias o fel que amargou os elementos.
órgãos vitais para o respirar. vítimas da decrepitude flagrante que lhes assina o óbito.

ufana,
deu conta do fim. concebeu-o e metodicamente ergue-o robusto sobre a vida fenecida.
em epitáfio colocou: por decrépito lei ruiu este castelo de cartas!

a vida é um jogo viciado.

roleta.
grilheta ferrando a ferros a vontade.
há-de, no Hades, rimando como perfeito inferno, que é, deliciar-se com o gáudio fúnebre de uma missa sem credo.
crença morta. padroeira orando as contas do epitáfio, rosário, calvário da via sacra de fecho.

game over

[insert coin]